André Rodrigues

MN: André, o que é ser um franco atirador nas letras [ou também na vida...]? Uma prosa com lirismo de calçada e alguma duna de areia ao fundo, ou duna de sal? Escreva sobre tua metralhadora giratória literária:

AR: Em primeiro lugar, diferente do Django, não carrego uma metralhadora no caixão; carrego, sim, um três oitão enferrujado. No mais, a paisagem sufocante de dunas e vielas com vista para o mar é tão destrutiva e/ou enfadonha quanto o ar carregado da metrópole. Seis por meia dúzia. Estou mais para atirador de elite do que mesmo para franco atirador.
Ah, e que o meu três oitão não me ouça, mas a minha arma preferida é uma baladeira de fabricação caseira, São João de 1999.


MN: Sempre há muitas e boas razões pra se desconfiar de Jack Kerouac [o sujeito que faz questão de dizer o prazo em que escreveu um livro e ainda constrói, milimetricamente, sua auto-mitologia, como se estivesse despenteado, já são duas que eu coloco, de antemão...]. Quais são as tuas?

AR: Nenhuma. Quando digo que desconfio do Jack, estou dizendo que desconfio de mim mesmo. Jack é uma de minhas principais influências. Li Vagabundos Iluminados aos treze anos, e logo em seguida On The Road. Lembro que quando terminei de ler On The Road pela primeira vez, joguei o livro no lixo. Esse é o meu ideal de sagrado: jogue fora, ligue o toca-fitas do carro e escute um bom blues.

Dean Moriarty não é um personagem, é um amigo.

Frescura pra lá de metro isso, não acha? Mas é verdade.


MN: Por outro lado, você diz acreditar em Dostoievski. Por quê? Unidade vida-e-obra, consistência de personagens e posicionamentos lógico-afetivos, texto cerrado e argumentação, todas as anteriores, ou quaisquer outras por mim nem imaginadas?

AR: Simples: porque é o meu escritor preferido. Confio meus colhões naqueles caras que fizeram alguma coisa por mim: Bataille, Miller, Bukowski, Rubem Fonseca, Philip Roth, Hemingway, Machado, Kafka, Jack London. É o negócio: quem não tem cão, caça com gato. Quem não nasceu em berço de ouro e/ou está cursando Direito na UFRJ, arruma um jeito de sair pela tangente. O meu jeitinho foi lendo Dostoievski às tardes quentes da maldita cidade de Natal.

Um conselho para os leitores do seu blog: leiam e releiam Dostoievski. Depois disso, vão à esquina e comprem um sorvete de Baunilha. Sem cobertura, claro.


MN: O mundo é escatológico, por isso não se faz necessário perguntar "o porquê da escatologia na literatura". Mas faço outra pergunta: se é tão literário, difícil e também escatológico falar, por exemplo, das sutilezas da relação pai-filho ou do amor-rivalidade entre irmãos, porque se bate tanto, literariamente, nas "agruras e doçuras" das relações homem-mulher [ou outras variantes do "casal"]? Comodidade do escritor, inclusive pela garantia de uma "mais rápida empatia com o leitor"?

AR: Não faço idéia. Na vida real, ainda não tive oportunidade de matar papai – acho que o velho chegará aos oitenta anos. Por outro lado, na ficção, já matei papai, degolei meu maninho, chutei o rabo branco de mamãe...

Sinceramente, não importa se o escritor fale das “agruras e doçuras” de quem quer que seja. Se as “agruras” forem do cachorro dele, ótimo. Se não, melhor. Contanto que se tenha alguma coisa para dizer, vale até saltar de pára-quedas agarrado ao Gugu Liberato.

E eu tenho dezenove anos, cara. Quando eu perdi minha virgindade, Philip Roth já falava sobre “a merda da vida do escritor fantasma”.

Empatia com o leitor é um troço que não conheço. E que Deus me guarde: que o meu leitor não seja o mesmo leitor de O Código Da Vinci.


MN: Diga alguns temas que seu olhar considera dignos de literatura, fora as relações romântico-eróticas e seus fracassos. Espera encarar algum desses temas um dia? Os escritores jovens que você conhece estão preparados pra sair do bordão Sex & Rock'n Roll? Ou falta preparo a todos para isso, inclusive dos leitores, sociedade, etc?

AR: Pra começo de história, Marcelo, não conheço escritores “jovens”. Talvez dois ou três. Acho que estão todos na faculdade de letras aprendendo ortografia. Dostoievski? Pra eles é nome de remédio genérico pra dor de cabeça.

Quanto aos bordões, é evidente que cada escritor tem um ou dois assuntos pertinentes e faz deles seu calvário literário.

No meu caso, não vejo dessa forma. O meu “tema” é o ser humano. Não falo de vampiros, falo de homens. Não falo de empregadas negras servindo pavê de chocolate no horário nobre, falo de sujeitos que perderam tudo, menos a habilidade de mendigar uma dose de uísque no balcão lotado.

E não me atenho apenas ao “Sex & Rock’n Roll”. Nem tão pouco aos “mendigos de balcão.”

Os contos que você leu são, sim, sobre essa praga mundana que é ser jovem; a praga que é amar uma mulher e pedir o almoço free do motelzinho barato. Mas é só uma parte da minha literatura. E a trilha sonora não é só Rock, ora: vez ou outra, dou os ares de um bom Reginaldo Rossi ou Bartô Galeno.

Todavia, estou seguindo direitinho o conselho do Nelson: “Envelheçam, envelheçam...”

Um dia eu chego lá.

E o caminho não é fácil, ou é?


MN: Há boas razões para confiarmos em André Rodrigues? Diga-nos.

AR: Nenhuma. O melhor a fazer é um B.O.

Você confiaria em um escritor de dezenove anos?

Ou por outra: você confiaria em alguém de dezenove anos?

Eu não confiaria.


MN: Você escreve pra que? [tenho certeza que tua família já te perguntou isso, uma vez que não deve ser pra ganhar dinheiro...].

AR: Escrevo porque não tenho vergonha na cara, não honro as calças que visto e adoro uma confusão: podem me tirar tudo, da minha coleção de camisas do Corinthians ao meu par de meias da sorte; mas eu ainda serei um escritor.

Escrevo todos os dias.

Uma desgraça.

Escrever e viver ao mesmo tempo não é tarefa das mais fáceis. Mas que é divertido, ah, isso é.


MN: Fale sobre o lançamento do teu primeiro livro.

AR: A Larissa, baita escritora, amiga e editora, disse: “Que tal publicar um livro?”

Topei.

O livro se chama “O Oxum da rua de trás” e sairá próximo mês pela Utopia.

Fiquei um tanto abismado: não tinha material para um livro, mas para três, quatro, cinco, seis livros.

Esse é só o primeiro: se meu carro não virar, se eu não tirar na loteria ou alguma mulher louca não colocar veneno em minha sopa, tenho certeza que outros livros virão.


MN: Obrigado, André.



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MN: Marcelo Novaes